Onde o mar encontra a memória: histórias vivas da Praia do Porto
-
Imagem Duda Indalêncio - Onde o mar encontra a memória: histórias vivas da Praia do Porto
Entre redes, lembranças e resistência, antigos moradores da Praia do Porto relembram um tempo em que o mar era mais do que paisagem, era sustento, infância e herança
O mar já esteve onde hoje há terra firme. Na Praia do Porto, em Imbituba, as ondas se recolheram, mas deixaram marcas profundas, não só nas pedras, mas na memória de quem nasceu e se criou à beira da água salgada. A antiga comunidade pesqueira que resistiu ao tempo e às transformações do porto ainda guarda histórias que não cabem em livros, mas moram na fala de quem viveu.
Seu Luiz Carlos Felisberto, mais conhecido como Sr. Lilo, tem 75 anos e nasceu a menos de 600 metros da faixa onde hoje pisa. "Aqui era tudo mar. A gente cercava peixe aqui mesmo, e puxava a rede até a areia para matar o peixe e comprar o café, o açúcar", recorda. Com os olhos marejados, ele descreve um tempo em que o sustento vinha da água e da força dos braços.

Assim como ele, Nilson Sousa de Medeiros também nasceu na beira do mar e se recusa a deixar o lugar onde sua história foi escrita. "A gente era daqui. A companhia expulsou muita gente, mas eu fiquei. Fiz meu rancho, fui preso por isso, e depois todo mundo começou a construir de novo", conta, relembrando o episódio que virou símbolo de resistência comunitária.
A comunidade viu sua geografia se transformar com o avanço do Porto de Imbituba. Terrenos foram perdidos, casas desapareceram, e a rotina mudou para sempre. "Meu pai perdeu a casa, minha avó perdeu a casa. A gente tava em Itajaí quando tudo foi tomado. Foi duro", diz Sr. Lilo.
Ainda assim, o lugar continua carregando afetos. Sr. Lilo lembra com carinho da Pedra Redonda, onde ele e os irmãos pescavam siri com coca e isca de cação. Lembra também da travessura de tomar banho de mar escondido do pai, que, ao flagrá-los, levou embora suas roupas como punição silenciosa. “Tivemos que voltar andando pela água, do Canto do Paraná até o rancho. Correndo, pelado e rindo. Nunca esqueci isso.”

Os dois pescadores, hoje com mais de 70 anos, compartilham uma visão parecida sobre o que falta na comunidade: respeito, estrutura e presença do poder público. A maior reclamação é a falta de energia elétrica adequada. “Nós temos direito à luz, à água e à moradia”, desabafa Sr. Lilo. Seu Nilson completa: “A gente precisa de um galpão para se abrigar, consertar rede e guardar motor. Falta dignidade pro pescador”.
Apesar de tudo, os olhos de ambos brilham quando falam da Praia do Porto. “Isso aqui é um paraíso. É minha terra natal. Tenho filhos em Belém, em Itajaí, mas daqui eu não saio. Aqui eu nasci, aqui eu me criei”, afirma Sr. Lilo. Seu Nilson concorda: “Aqui ainda é casa. Aqui é vida.”
Em tempos de pressa e progresso, ouvir quem carrega o passado na fala é um convite à pausa. Um lembrete de que há histórias que o mar leva, mas há outras que resistem, contadas com a força de quem nunca abandonou a beira da praia.

Por Duda Indalêncio
Deixe seu comentário