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História de pescador: casal compartilha memórias esquecidas sobre a pesca em Imbituba e lamenta “perdas"
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(Imagem Duda Indalêncio) - História de pescador: casal compartilha memórias esquecidas sobre a pesca em Imbituba e lamenta “perdas"
“Ninguém passava fome pois sempre havia um “peixinho” para todo mundo”
Por muito tempo a pesca artesanal foi a alma da cidade de Imbituba, sendo uma das profissões mais praticadas na região. Diante do desenvolvimento da cidade a comunidade pesqueira passou a ser cada vez mais empurrada para os cantos das praias e lagoas do município.
Em uma emocionante entrevista concedida à equipe do RSC Portal, um casal compartilhou suas experiências de vida dedicada à pesca. Maria Aparecida, criada em uma família de pescadores, e José Carlos, natural do Rio de Janeiro, conhecido carinhosamente como "carioca", viveram a pesca e a profissão ditou o ritmo de suas vidas.
“Quando eu tinha 21 anos eu fugi com a minha esposa, ela tinha 17. Namoramos 3 dias, no 4° dia eu carreguei ela. Já tinha certeza que era pra ser. E foi a tampa da minha panela. Já estamos há 47 anos juntos”, contou ele em meio a risadas. Três dos filhos do casal também praticaram a atividade pesqueira.
Carioca aprendeu o ofício com seu sogro e se dedicou à atividade até que problemas de saúde o forçaram a se aposentar. Hoje, mesmo inativo, acompanha a atividade pesqueira através de seu irmão, que se mantém ativo na área.
A pesca em Imbituba
Ao serem questionados sobre as principais mudanças no meio pesqueiro em Imbituba, o casal citou questões ambientais e também compartilhou as limitações que foram impostas aos pescadores.
“Tem uma diferença na pesca e na natureza. Tem uma diferença grande. Na pesca, depois que começaram a aumentar o cais, o peixe que vem do sul, a tainha, vem encosteando o cais e já sai reto pra fora, já não entra mais”, disse Carioca.
Cida, que cresceu entre pescadores, falou sobre sua família. “Eu me criei na beira da praia, o meu pai foi um dos maiores pescadores de Imbituba. O melhor vigia que existiu entre Laguna e Garopaba era o Papada, que é o meu pai”, disse ela, orgulhosa.
A imbitubense enfatizou que ninguém em sua família nunca passou fome. “Se não tinha peixe no mar, a gente ia no costão e tirava o marisco pra comer”. Segundo ela, em alguns lances, as pilhas de tainha impediam que se visse quem estava do outro lado e a pessoa mais pobre não passava fome pois sempre havia um “peixinho” para todo mundo.
Cida conta que sabe que a profissão de pescador é sofrida e muito desvalorizada. “Tanto o pescador artesanal quanto o industrial, eles têm a data para começar a pescar e o peixe que pode pescar. Sai um barco com 18 homens pra fora e não sabe se vão trazer o peixe”, explica ela, acrescentando logo em seguida que vê os pescadores como grandes guerreiros. “Eles querem trazer um pão pra casa honestamente”.
Poluição
Carioca e Cida falaram sobre a poluição das praias e lagoas da cidade, que nos últimos anos tem afetado fortemente a comunidade de pescadores. “Aqui é onde sai o esgoto da Divineia hoje, onde a praia era limpa. Era muito peixe e hoje em dia a gente não vê mais isso”, relata Cida.
Estão botando esgoto pras casas e tudo sai na praia. Não é só a Praia de Imbituba, mas a Lagoa do Mirim e a Barra da Ibiraquera estão sendo destruídas pelo esgoto. O crescimento desorganizado das casas sem ter uma fiscalização faz isso”, revela ela, ao relembrar conversas com pescadores de diferentes regiões de Imbituba, mostrando que toda a comunidade tem sentido os efeitos de um desenvolvimento sem planejamento.
O casal enfatizou que não é contra o crescimento da cidade, “quando o progresso veio, muitos pais viam os filhos saindo com a bolsa nas costas pra ir trabalhar fora, hoje a maioria já vive em função do porto”, explicou Cida. Contudo enfatizam a necessidade de cuidados ambientais e atenção maior para os impactos desse desenvolvimento
As praias que se encontravam
“A nossa praia (Praia do porto), na época em que eu cheguei do Rio, quando a maré estava cheia, a água atravessava de um lado para o outro, ligava a Praia do porto e a Praia da Vila. As águas se encontravam”, contou o carioca. Segundo ele, a região que ele identifica hoje como o “canto do porto” se tornava uma ilha até que a região foi aterrada.
Cida também lembrou de momentos vividos à beira do mar na época, quando as mulheres iam para a praia para lavar roupas nas fontes de água doce. “Todas as mulheres de Imbituba, lavavam roupa na beira da praia. A água que a gente tomava doce era da beira da praia. A gente fazia poço com madeirinha em volta e tirava a água dali. Quando acabava de lavar, a gente tirava a água da fonte e daqui a pouco já estava cheia de água clarinha de novo”, relembrou ela.
“Hoje eu me sento ali no mirante tentando achar onde está a minha infância e não acho mais. A infância que eu vivi na beira da praia a vida toda, eu chego a chorar, porque eu chego ali e não tenho mais nada”, lamenta Cida.
“Pescadores de verdade”
“Aqui em Imbituba existiam dois pescadores de verdade, o Sr. Joaquim Bilica e o meu pai. O Papada. Eles eram os pescadores que pescavam e não molhavam a beirada do calção porque não iam fora pegar o peixe, o peixe vinha na beirada. O pescador hoje vai com água no pescoço”, explicou ela sobre a pesca na época.
Segundo Carioca, os pescadores precisam pegar lanchas e ir para as ilhas, em alto mar, para poder pescar, mas que antigamente a região que abrange o porto era o berço dos peixes. “Ele (Carioca) pescou 25 anos dentro do porto. Pescando espada, matava muito peixe, papa terra, pescada, de tudo. Ali era a região onde mais se dava peixe”, explicou Cida.
O Porto de Imbituba
“Não sou contra o porto. Porque o porto trouxe muito emprego. Só que proibiram nós pescar ali dentro”, afirmou a imbitubense.
O casal explicou que apesar de sentir grandes mudanças vindas com a instalação do porto em Imbituba, sabem que a culpa não é apenas da instituição. “Não vou tirar só a razão deles. É que tem muitos que não são pescadores”, disse ela se referindo aqueles que não seguiam as regras de boa convivência com o porto.
“Quando nós estávamos pescando,que o navio ia sair ou entrar algum navio, o prático vinha e avisava pra nós. Aí todo mundo saía. Mas quem não era pescador ficava teimando. Deixava o navio chegar perto, apitar, pra depois sair. Aí por causa deles, o pescador começou a ser limitado”, justificou José.
Na opinião de Carioca, o pescador registrado, dentro da norma que a colônia de pesca e a marinha exigem, deveria poder pescar dentro do porto, com a devida licença e seguindo as regras estabelecidas.
Um pedido final
Cida usou sua declaração final na entrevista para deixar registrado um desejo que ela guarda consigo: “como eu me criei dentro da pesca, vi meu pai pescando toda a vida, eu queria que o pescador recebesse mais respeito e pudesse pescar de verdade. Que o pescador pudesse entrar registrado, com seus documentos em mão, numa área segura para pescar.”
Por Duda Indalêncio
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